quinta-feira, 15 de outubro de 2009

No ramo da vida sintética
Um dia a biologia poderá produzir organismos artificiais com fins terapêuticos.
por James J. Collins
por Sam Haffe

À primeira vista, as colônias de bactérias que pontilham uma placa de Petri no laboratório de James J. Collins na Universidade de Boston parecem nada ter de especial. Cada bactéria Escherichia coli foi geneticamente alterada para fabricar uma proteína específica assim que a densidade populacional da colônia em torno dela atingir um nível pré-definido.

Um cético poderia bocejar. Afinal de contas, engenharia genética não é algo novo. Mas a essas células não foi apenas agregado um gene estranho. Collins inseriu uma rede genética inteira - ele incorporou muitos genes que interagem não só entre si como também com o maquinário genético natural da célula. Nesse caso, colocou uma rede de quorum-sensing (algo como percepção de quórum - a comunicação entre as bactérias) de uma Vibrio fischerii. Se a engenharia genética convencional é como trocar pontas de uma chave de fenda, ele mudou o conteúdo inteiro de uma caixa de ferramentas.

Collins, de 39 anos, faz parte de um novo campo de estudo denominado biologia sintética, que cria novos ingredientes para a receita da vida, entre eles ácidos nucléicos, aminoácidos e peptídios. Alguns cientistas esperam até mesmo poder fabricar um organismo artificial. A disciplina ainda está em estágio incipiente, no qual jovens e brilhantes cientistas desafiam-se com experimentos que tentam provar conceitos e publicam artigos com páginas e mais páginas de fórmulas matemáticas. Collins, por outro lado, é o primeiro a criar tecnologias comerciais em estágio avançado de desenvolvimento. E prova que a biologia sintética está pronta para o mercado.

A mais promissora dessas tecnologias é um RNA riborregulador, que Collins descreveu pela primeira vez em 2004. Ele consiste em uma seqüência de DNA que, com a ajuda de um vírus geneticamente modificado, integra o genoma de uma bactéria hospedeira. O DNA então cria um RNA mensageiro que se liga ao ribossomo (a fábrica de proteínas da célula), de modo a bloquear a produção de uma proteína específica. O regulador pode também desbloquear o ribossomo e ordenar que fabrique aquela proteína. Basicamente, o riborregulador permite que os cientistas comandem a produção de proteína com cerca de 100% de precisão e eficiência.
Outros cientistas aperfeiçoaram o riborregulador. Richard Mulligan, da Faculdade de Medicina de Harvard, projetou um que pode ser ativado quando uma molécula específica é adicionada a células de ratos. Se essas tecnologias derem certo em humanos, nossas células poderão ser transformadas em indústrias farmacêuticas. Tomaríamos pílulas apenas para ligar ou desligar essas fábricas. Um futuro assim está ainda a anos de distância, mas esse avanço deixa Collins maravilhado. "Eu nunca esperei que em um ano essa tecnologia já estaria funcionando em mamíferos." A empresa Cellicon Biotechnologies, fundada por ele, negocia sua aplicação no desenvolvimento de medicamentos com várias empresas.

O riborregulador não é a única tecnologia da Cellicon com potencial comercial. A companhia codificou, em forma de software, os princípios por trás da biologia sintética, para ajudar a filtrar candidatos a remédios pelos efeitos que têm sobre a célula inteira, não apenas sobre uma proteína alvo. "As companhias farmacêuticas são boas em criar testes para comprovar que um composto atinge um alvo específico", afirma Collins. "Mas, até agora, não foram muito hábeis em prever o que o composto fará a todos os outros genes e proteínas da célula."

O êxito de Collins no desenvolvimento de tecnologias está na facilidade com que atravessa a linha divisória entre engenharia e ciência. "Não estou seguro de que as definições convencionais ainda sejam muito úteis. No fim das contas, estou mais interessado em ver o fruto de meu trabalho ajudar os seres humanos. Se, nesse caminho, produzir bons conhecimentos científicos, ótimo." George Church, biólogo da Faculdade de Medicina de Harvard, concorda. "O trabalho científico de Collins é ainda mais notável porque ele o realizou enquanto fazia engenharia de verdade."

Collins queria ser engenheiro elétrico. Mas, enquanto cursava a Universidade de Oxford, acabou estudando dinâmica não-linear - mais conhecida como teoria do caos - com Ian Stewart, o famoso matemático da Universidade de Warwick. "Nunca conheci ninguém mais emblemático do conceito de pesquisa multidisciplinar do que Jim", diz Stewart sobre seu ex-aluno. "Algumas pessoas não funcionam sem claras fronteiras que definam sua área de estudo. Mas Jim sobressai nesse ambiente."

Depois do trabalho no Reino Unido, Collins tornou-se professor do Departamento de Bioengenharia da Universidade de Boston. Ficou intrigado com a relação entre o senso humano de equilíbrio e o receptor de sinais sensoriais estocásticos (ou aleatórios) - mais conhecidos como ruído. "Normalmente, pensamos em ruído como algo prejudicial à clareza de um sinal. Mas, em alguns casos, ele pode melhorar o sinal", diz. Collins propôs a hipótese de que idosos perdem em parte seu equilíbrio porque se tornam menos sensíveis aos estímulos estocásticos, como a pressão na sola dos pés. Ele projetou uma palmilha alimentada por baterias que produz vibrações para melhorar o senso de equilíbrio de uma pessoa com 75 anos, igualando-o ao de alguém de 25 anos.
Enquanto trabalhava na palmilha, recebeu um pedido de Charles R. Cantor, catedrático em seu departamento. Ele queria que Collins aplicasse seu conhecimento em dinâmica não-linear para fazer uma apresentação sobre redes genéticas durante a visita de uma comissão responsável pela concessão de verbas. Genes não costumam trabalhar sozinhos. Eles funcionam em um sistema de redes interdependentes, cujos genes individuais estão constantemente modificando o comportamento dos outros da rede. Collins, que não era especializado em biologia molecular, passou os quatro dias seguintes preparando a apresentação. O departamento não conseguiu a doação, mas Collins percebeu
que a biologia estava muito mais perto de se tornar uma disciplina da engenharia do que a maioria das pessoas se dava conta. "Todo mundo estava tentando aplicar técnicas de engenharia reversa à célula, mas essa é a maneira mais difícil de compreender os fenômenos. Mediante técnicas de engenharia-avante, a ciência poderia revelar seus segredos mais prontamente."

Collins logo passou a liderar uma equipe que em 1999 criou um interruptor genético. O sistema consiste em dois genes estranhos, e cada um produz uma proteína que inibe o outro. Dependendo da substância química adicionada ao caldo de cultura de bactérias, a proteína de um dos genes seria desativada, e ele, desligado. "A chave liga-desliga é importante por não necessitar de nenhuma modulação adicional", explica Cantor. A engenharia genética convencional necessita da contínua inserção de um estimulante para manter o novo gene em funcionamento. Já o interruptor permanece ligado ou desligado enquanto o organismo permanecer vivo.

Collins continua a otimizar sua chave liga-desliga, que, assim como o riborregulador, despertou o interesse de empresas farmacêuticas. A maior promessa das redes sintetizadas por Collins está no fato de que ajudam a verificar os complexos modelos de software que tentam imitar o funcionamento de células humanas. Entretanto, Collins insiste que essa modelagem informatizada tem limites. "Meu Santo Graal não é uma célula virtual", diz, enfatizando um ponto acerca do qual ele acredita que precisa haver consenso no campo da biologia sintética para que haja progressos: "Por mais que aperfeiçoemos nossa modelagem, ela nunca substituirá experimentos reais".

James J. Collins: Criando Vida
Trabalha com biologia sintética, campo no qual pesquisadores fazem experimentos com redes genéticas, em vez de lidar com genes individuais, como na engenharia genética convencional.

Em pesquisas anteriores, descobriu que uma palmilha vibratória pode melhorar o senso de equilíbrio de idosos, despertando o interesse de fabricantes de tênis.

Comentando por que é mais fácil praticar engenharia do que ciência: "Tudo o que você precisa fazer para ter sucesso em engenharia é construir algo grande, mais barato e mais rápido. Ciência é criar novos conhecimentos. Isso exige mais suor e é mais dolorido".

Postado por Luciana Costa de Mello

Um comentário:

  1. Um dia o homem poderá voar.

    Este tipo de argumento é inválido para a ciência. È do tipo cheque em branco.
    Se poderá criar vida, porque ainda não criou?
    Pode ser algo muito simples, mas porque ainda não criou?

    Manipular genes vivos é mais simples, pois o princípio vital está lá, mas como iniciar, como colocar a centelha motora?

    Como vencer o princípio termodinâmico da entropia caótica? Como fazer com que o elemento sintético se auto organize?

    Esta notícia parece uma espécie de sensacionalismo.


    Fraternalmente
    Joana D'Arc.

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